Essa é a proposta da Geração Cidadã de Dados (GCD), uma metodologia que tem se destacado como uma poderosa ferramenta para transformar a sociedade e incentivar a participação social.
O Rio de Janeiro tem se mostrado um terreno fértil de implementação dessa abordagem, aplicada principalmente nos desafios das áreas mais vulnerabilizadas da cidade. A GCD apoia os moradores de favelas e periferias a produzir diagnósticos mais reais sobre suas realidades. O processo vai da coleta de dados à proposição de políticas públicas, garantindo que suas realidades e demandas sejam reconhecidas e consideradas a partir dos dados.
A GCD é o conjunto de ações que possibilitam aos cidadãos gerar, recolher e utilizar dados para benefícios de suas comunidades ou coletivos. São informações coletadas diretamente pelas pessoas comuns sem a interferência de instituições convencionais. O objetivo é fortalecer as comunidades para que possam coletar, analisar e utilizar dados sobre suas condições de vida, promovendo participação ativa na resolução de problemas locais.
Aqui no Rio de Janeiro diversas organizações adotam essa abordagem em áreas como segurança pública, saúde, educação e infraestrutura urbana. Os dados coletados oferecem uma visão que muitas vezes não é captada em levantamentos governamentais, revelando detalhes cruciais para políticas públicas que realmente funcionem e sejam inclusivas e justas. As favelas, que historicamente enfrentam problemas como exclusão social e violência, tornaram-se centros de iniciativas inovadoras que já utilizam a metodologia.
Organizações como Data_Labe, Redes da Maré e Fogo Cruzado evidenciam como o Rio de Janeiro tem sido visionário na implementação da Geração Cidadã de Dados (GCD).
Um exemplo notável é o Cocôzap, um projeto de mapeamento do saneamento básico desenvolvido pelo Data_labe, que possibilita aos moradores da Maré, um conjunto de favelas localizado na Zona Norte do Rio, monitorar e reportar questões de saneamento utilizando apenas o celular.
Por meio do WhatsApp, os moradores enviam fotos e informações sobre problemas de esgoto, alagamentos, descarte irregular de lixo e focos de insalubridade, entre outras questões relacionadas ao saneamento básico. Esses dados são reunidos em uma base que serve para criação de documentos usados para pressionar as autoridades a tomarem providências. Essa iniciativa mapeou as dezesseis favelas do conjunto e promoveu, com seu trabalho, maior transparência na gestão pública, colocando o poder de transformação nas mãos da população.
Da mesma forma que o Cocôzap promove a participação cidadã, outras organizações como o Instituto Fogo Cruzado é exemplo de impacto da GCD no Rio. O instituto utiliza dados gerados pelos moradores para mapear tiroteios em tempo real. Essas informações, que frequentemente não são registradas pelas autoridades, oferecem uma visão mais clara sobre onde e quando ocorrem os confrontos, ajudando a comunidade a evitar áreas de risco e contribuindo para políticas de segurança mais eficazes.
Esses dados são compartilhados com as autoridades, melhorando a governança urbana e promovendo uma abordagem colaborativa entre governo e população.
Outro aspecto importante da GCD é a identificação de falhas nos serviços públicos. Ao coletar dados sobre saneamento, saúde e educação, as comunidades documentam quais serviços estão faltando. Nas favelas cariocas, quase sempre negligenciadas pelos dados governamentais, a GCD preenche essas lacunas, garantindo que as necessidades da população se tornem visíveis.
A Redes da Maré, organização sem fins lucrativos do território, utiliza a GCD para monitorar o acesso à educação e saúde no maior conjunto de favelas do Rio. Os dados coletados ajudam a pressionar autoridades por melhorias nos serviços, garantindo que políticas públicas cheguem às áreas mais vulnerabilizadas, além de proporcionar a conscientização dos moradores sobre seus direitos.
Embora seja direcionada a ações locais, a metodologia GCD está alinhada a iniciativas globais como os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da Agenda 2030 da ONU. Ao promover maior inclusão social e soluções para problemas urbanos, a GCD contribui diretamente para ODS como as de saúde e saneamento.
O enfoque da geração cidadã de dados dialoga com os debates promovidos pelo G20, especialmente no âmbito do Grupo de Trabalho sobre Desenvolvimento da Trilha de Sherpas, que aborda como um de seus temas-chave a inclusão social como estratégia para fortalecer a capacidade das cidades de responder às demandas sociais e promover um desenvolvimento mais justo e equitativo.
Ainda que a GCD tenha encontrado um terreno fértil no Rio de Janeiro suas implicações vão além. O movimento de dados gerados por cidadãos cresce em várias partes do mundo, em especial no Sul Global, onde iniciativas têm buscado o reconhecimento e inclusão das vozes das populações marginalizadas. A aplicação da GCD em áreas com baixo índice de desenvolvimento humano e de carência de direitos básicos, como saneamento, emerge como um modelo para outras metrópoles, garantido que essas informações sejam coletadas de forma inclusiva sendo essencial para o desenvolvimento sustentável e para a redução das desigualdades.
A Geração Cidadã de Dados é uma ferramenta poderosa de transformação. Ela permite que as comunidades assumam o controle de suas próprias histórias e influenciem diretamente o futuro das cidades. A GCD capacita os cidadãos a participarem ativamente da formulação de políticas públicas e na melhoria das condições de vida em seus territórios. Os coletivos que têm trabalhado com a temática nas periferias mostram como o uso correto dos dados pode criar uma cidade mais justa, inclusiva e resiliente.
À medida que a GCD cresce, ela redefine a governança urbana no Rio e inspira outras cidades ao redor do mundo a adotar uma abordagem semelhante. A participação cidadã é a chave para um futuro mais justo e sustentável.
Maria Ribeiro, 24 anos, nordestina criada no Complexo da Maré, tem oito anos de experiência em comunicação e gestão de mídias sociais para organizações da sociedade civil. Desde 2019, atua como produtora de conteúdo no Data_Labe, laboratório de dados focado em análise e divulgação de dados com recorte de raça, gênero e território. Co-desenvolveu a tecnologia social CocôZap para mapear a situação de saneamento nas 16 favelas do Complexo da Maré através da Geração Cidadã de Dados. É cofundadora da Coalizão O Clima é de Mudança, promovendo o debate sobre a pauta climática nas periferias e favelas do Rio de Janeiro. Também é integrante da equipe de Residentes dos Jovens Negociadores Pelo Clima e atua junto ao time de comunicação do Comitê Rio G20.